Do livro Vintém de Cobre

Do livro Vintém de Cobre
Texto de Cora Coralina

sábado, 20 de outubro de 2012

A DAMA DA VIOLA HELENA MEIRELLES

As cordas do violão estão dançando na sala ao lado. Tem uma pessoa treinando a sua música, sugeri que tocasse no jantar uma música de abertura, dando espaço em seguida para o saxofone, tocado por um artista da cidade. Gosto da bagunça musical nos finais de semana, da mesa cheia de partituras, de vida.
O Fantástico também está passando no meu quarto mas estou presa com a movimentação da casa, os cachorros ao redor, aqui na salinha íntima e o desejo de escrever.



Agora estou me lembrando da matogrossense Helena Meirelles "A Dama da Viola" naquela música Guaxo que reproduz o som do vôo deste pássaro, muito comum no estado do Mato Grosso do Sul. Segundo o documentarista Mário de Araújo a música de Helena tem uma relação muito íntima com a natureza, é uma música meio cabocla e meio guarani dada sua origem familiar de índia, paraguaia duas vezes por parte de avós, mineira e paulista. Ela nunca foi a uma escola e pediu que lhe ensinassem a fazer a sua assinatura e é só o que escrevia. Ela encantava os boiadeiros do pantanal que choravam de alegria ou tristeza com sua música. Onde quer que tocasse aglomeravam pessoas para ouvi-la, assim aconteceu quando sua irmã a trouxe para São Paulo. Ocasião que seu sobrinho enviou para a Guitar Player (EUA) uma fita cassete com sua música para a revista que a premiou. Parece-me que ela tinha sessenta e cinco anos na ocasião. A revista Guitar Player em 1993 lhe concedeu um prêmio como uma das cem melhores instrumentistas de corda do mundo, por sua atuação  nas violas de seis, oito, dez e doze cordas. O diretor Francisco de Paula em 1994 também fez um filme contando a sua extraordinária história de mulher do sertão muito simples, muito pobre que levou pelo menos sessenta e cinco anos para ser conhecida e reconhecida no Brasil e no mundo pelo seu enorme talento musical.
Esta senhora foi casada três vezes, porque sendo artista nata desde criancinha, impedida pelos pais de tocar o instrumento ameaçada de lhe cortarem os dedos se persistisse na idéia, além de apanhar muito do pai pois tocar violão era coisa de homem e corria o risco de homens se aproximarem dela com segundas intenções. Mas ela bravamente construía escondida as suas violas, afinava-as sozinha e sozinha tocava. Até que aos nove anos recebeu a visita de um tio violeiro que tocou para ela que olhava-o deslumbrada. Ele perguntou-lhe se gostaria de aprender, no que respondeu: - Eu sei tocar. Ele pediu-lhe que buscasse outro violão do irmão dela no quarto, dizendo que se não tocasse como dizia levaria uma "surra". Helena o trouxe, então quiz afinar o violão, mas ela agradeceu e sob os olhos estupefatos dele afinou o instrumento. E os dois tocaram juntos pela primeira vez, daí por diante a fama correu o Pantanal Matogrossense. O tiomaravilhado expandia "aos quatro ventos" o talento da sobrinha. 
Mas precisou se casar muito novinha para sair de casa em busca de liberdade. Com tanta viola caipira o casamento não deu certo. Fez outra tentativa de casamento, ainda desta vez não foi para frente. Passou por sérias dificuldades, tendo que morar na zona (região onde vive mulheres que vendem o corpo) por uns tempos, mas trabalhava como músicista, sendo sempre muito respeitada, e ai daquele que não a respeitasse. Apanhava dela pois costuma dizer que  era uma cobra. Imaginem uma moça criada para casar, com toda a tradição cabocla, passando por tudo isso. Teve muitos filhos, muitas vezes tendo que tirar da boca para alimentá-los. Foi considerada uma mulher muito brava, perigosa e boa de briga, mas cá entre nós, num mundo completamente masculino, tinha que ser assim para ser respeitada pelos próprios homens que eram seus parceiros na rodas de viola próxima ao Porto XV. 
Trabalhou fez muitos partos,  curando pessoas e animais com um dom divino chamado "benzedeira". Ela sempre estava acima das convenções e iluminava a todos com sua música divinal.
Deixou muitos filhos e desejava que as pessoas aprendessem a sua técnica e brincava porque quando morrese levaria consigo a sua música, mas ninguém aprendia. Admirava o dedilhar dos roqueiros apesar de não gostar de barulho e criticava o gosto musical da "boquinha da garrafa" quando veio para São Paulo.
Helena Meirelles nasceu em Bataguassú na fronteira com o Paraguai,  no dia treze de agosto de 1924 no Brasil e morreu no dia vinte e oito de novembro de 2005 em Campo Grande aos oitenta e um anos vítima de uma parada cárdio respiratória.
O terceiro casamento durou quarenta e sete anos.
Quando veio para a televisão, após receber o prêmio da Guitar Player, não tinha um único disco gravado. Seu sucesso e discos vieram depois disso. Esta é uma das heroínas da música  de nosso país.
Quando terminar e ouvir "Gauxo"  poderá ouvi-la contando algumas façanhas vividas como observadora  em alguns ambientes de "barra pesada" que trabalhava, segundo suas palavras. Vale a pena conhecer um pouco desta artista sertaneja.
Helena foi cantora, compositora, violeira e instrumentista.
O som que ela tira reporta à minha infância quando meu pai ligava o rádio de madrugada. Tanto que o meu sonho infantil era aprender a tocar harpa, pois eu confundia o som da viola caipira com harpa. Será que ele conheceu a Helena Meirelles, ele também era boiadeiro e viajava por aquele Mato Grosso todo!

Estas histórias sobre a artista estão em documentários da internet e CDs que ouço em minha casa. Temos muito que agradecer a Mario Araújo, Francisco de Paula e Dainara Toffoli que Também dirigiu um filme  chamado "Dona Helena" em 2004.
    No site pantanalrocky.com.br também tem uma entrevista muito interessante sobre Helena Meirelles, vale a pena conhecer um pouco mais sobre esta nobre senhora.
    Em 2012, foi incluído na lista 30 maiores ícones brasileiros da guitarra e do violão (Categoria: Raízes Brasileiras) da revista Rolling Stone Brasil

    Biografia de Helena Meirelles (ver link)
http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_2204.html





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