Do livro Vintém de Cobre

Do livro Vintém de Cobre
Texto de Cora Coralina

domingo, 16 de setembro de 2012

REFLEXÃO SOBRE MUDANÇA DE COMPORTAMENTO NA DÉCADA DE SETENTA

Nós pais que começamos tendo filhos na década de mil novecentos e setenta sofremos muito com a educação dos filhos. Eu tinha um modelo de avós autoritário, reforçado pela educação do colégio de freiras franciscanas no primário, Dominicanas no ginásio e do Sagrado Coração de Jesus, no colegial. É certo que as freiras como os pais também sofreram influências dos tempos novos que chegavam. Chegou o cinema para elas, e para os alunos. As competições esportivas entre colégios e cidades das quais fiz parte, propiciavam um contato maior com o mundo, tanto para nós como para elas. Outro fato importante, foi a aceitação de namoricos entre meninos da cidade com as internas, encontros que aconteciam pelos grupos esportivos. Já era possível amizades entre alunas e freiras, troca de confidências, e às vezes envolvimentos afetivos em sentido horizontal e vertical. Eu sempre tive muito medo delas e não conseguia ser amiga. Já muito mais tarde quando fazia vestibular, um caso amoroso entre uma estudante de odontologia e uma freira que moravam no pensionato conosco acirrou o clima na Rua Paraná na Cidade  do Barão. A filha de um coronel discutiu muito com a Irmã envolvida, sentindo-se aviltada com o comportamento de ambas que dormiam na sala, no sofá de porta feichada. Soube depois que a estadia era provisória e que estavam apenas  esperando encontrarem um  apartamento para se mudarem. Assim que alugaram sairam da casa sem deixar rastro. Lógico, depois de tantos debates!
Todos estes acontecimentos se deveu às mudanças de comportamentos e valores que se refletiam em todos os contextos familiares e sociais que se expandiam pela mídia televisa e cinematográfica. O mundo musical  inovava comportamentos, principalmente  o movimento sexo, drogas, e rock'n'roll. Ouvia e via imagens sobre os hippies divulgando  exemplos de comportamentos libertários, uso de entorpecentes, nudismo e o Rocky. Eu estava muito longe dos entorpecentes e da música deles, mas não da sexualidade. Senti-me  encorajada a entregar-me a  meu namorado sem constrangimento, ao dezoito anos. Eu morava longe de casa em pensionato, não havendo nenhum fiscal me impedindo, a não ser minha consciência e o meu ego.
Como era orfã de mãe, minha avó tinha uma grande preocupação conosco; a possibilidade de nós quatro engravidarmos, eu e minhas irmãs. Mas os conselhos não eram ditos de modo muito carinhoso, vinham como um anátema: - Vocês vão arrumar barriga! Veja bem, eu tinha onze anos nesta época, e não havia recebido nenhuma orientação sobre o modo de engravidar. Nesta época morria de medo de engravidar-me sentada no vaso sanitário, a ponto de ter pesadelos enquanto dormia. Meu coração ficava oprimido, eu sentia-me triste, não tendo com quem conversar. Sobre o aparecimento do seio, comentei com a vovó que tinha dois carocinhos no peito e desconfiava que fosse câncer. Fui levada a um médico da cidade,  pai de minha melhor amiga das férias. O Dr Garibalde com muito amor e carinho sentou-se a meu lado, segurando-me as mãos dizendo  que eu estava bem, que era natural o crescimento dos seios nas mocinhas. Senti a amizade deste homem que  naquele momento agiu como uma mãe amorosa.
Saí do consultório tranqüilizada, acompanhada de minha avó.
Sobre o primeiro sutiã, escrevi uma carta quando estudava no Arraial da Farinha Podre interna, no colégio das irmãs Dominicanas. A carta era assim:
"Querida vovó, já estou bem desenvolvida. Meus seios desenvolveram muito rápido depois daquela consulta. Acho que não cresciam de medo, mas depois que o Dr Garibalde autorizou, não param mais de crescer. A senhora pede a meu pai que envie, duzentos e cinquenta cruzeiros por carta, para que possa ir à Rua do Comércio com a Irmã Floripes comprar dois suatiãs para mim. Eles são cor de rosa e floridos. Lindos! um pouco mais caro que os brancos. Já estou ficando com vergonha de minhas amigas. Todas já usam sutiã. Muito Obrigada, um abraço da neta que lhe ama".
Foram muitas torturas por conta da minha ignorância juvenil, falta de pai e mãe ou um adulto que cumprisse a função de conselheiro suprindo as minhas inseguranças. Criei o hábito de tirar dúvidas em livros de orientação educacional e sexual encontrados nas estantes da biblioteca do colégio. Descobri os livros de literatura que apreciava muito dando preferência a José de Alencar cujos textos faziam aflorar os meus secretos desejos juvenis. Desse modo a minha educação se fez de modo silencioso e solitária.
 

2 comentários:

  1. Maria Helena, também fiz uma reflexão sobre ter nascido em meados do século passado, prá que falar de idade? rs
    Muito bom seu texto, com certeza voltarei!
    abs
    Jussara

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  2. Muito obrigada pelo comentário; somos resultado da nossa cultura não é? um abrço para você também.

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